Migalhas
Entre a toalha branca e um bule de café
seria inapropriado dizer
eu não te amo mais.
Era necessário algo mais solene,
um jardim japonês
para as perdas pensadas,
um noturno de tempestade
para arrebentar de dor,
uma praia de pedras para chorar
em silêncio, uma cama alta
para o incenso da despedida,
uma janela
dando para o abismo.
No entanto você abaixa os olhos
e recolhe lentamente as migalhas de pão
sobre a mesa posta para dois.
MARQUES, A. M. A vida submarina. São Paulo: Cia. das Letras, 2021.
(ENEM 2023- LÍNGUA PORTUGUESA- QUESTÃO 28)
Nesse poema, a representação do sentimento amoroso
recupera a tradição lírica, mas se ajusta à visão
contemporânea ao
invocar o interlocutor para uma tomada de posição
questionar a validade do envolvimento romântico.
diluir em banalidade a comoção de um amor frustrado.
transformar em paz as emoções conflituosas do casal
condicionar a existência da paixão a espaços idealizados.
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O enunciado pede compreensão de como o poema recupera traços da tradição lírica e, ao mesmo tempo, se atualiza segundo uma visão contemporânea. A resposta indicada é: “diluir em banalidade a comoção de um amor frustrado.”
O poema evoca cenas clássicas de lamento — jardim japonês, noturno de tempestade, praia de pedras, janela para o abismo — imagens grandiosas e simbólicas típicas da tradição lírica para expressar dor e despedida.
Em vez de um cenário solene, o poema descreve uma ação doméstica e prosaica: recolher migalhas de pão sobre a mesa posta para dois. Essa ação diminui o tom épico esperado e traz a perda para o plano do cotidiano.
Ao opor imagens grandiosas (o “noturno”, a “janela para o abismo”) à cena trivial das migalhas, o texto mostra que a comoção do amor frustrado é transformada em gesto banal. A intensidade lírica é diluída pela cena doméstica.
A leitura de que o poema busca diluir em banalidade a comoção de um amor frustrado é coerente: a tradição lírica está presente (recursos simbólicos e emotivos), mas atualiza-se ao inserir a fratura afetiva na rotina prosaica, reduzindo o espetáculo do sofrimento.
O eu lírico sugere expectativa de rituais e grandeza, mas registra desapontamento ao encontrar uma resposta contida e prática. Esse desalinhamento reforça a ideia de frustração amorosa transformada em pequena cena doméstica.
Assim, o poema recupera elementos da lírica tradicional para expressar dor, mas os submete à contemporaneidade ao reduzir a grande comoção a um gesto corriqueiro — exatamente: diluir em banalidade a comoção de um amor frustrado.
Procure sempre: (1) imagens/lugares simbólicos; (2) ação concretizada no texto; (3) relação entre expectativa lírica e efeito final — isso revela se o poema reforça ou subverte a tradição.
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